A Fazenda Calçada

A fazenda calçada pertencia ao irmão da Neuza, José Wamser (Zezé) e ficava entre Ibertioga e Santa Clara. Era o local preferido da família para passar suas férias de Julho e Dezembro, além de ser um ponto de apoio nas pescarias de domingo.

Juntávamos vários primos, filhos do José Wamser, do Hudson, da Olga e das irmãs da D. Elzira, esposa do Zezé. Eram muitas crianças, de várias idades, onde a convivência com a vida na roça deu uma base para toda a vida. Simplicidade, resiliência, respeito mútuo, preservação da natureza e amor aos animais.

Julio, Conceição, Mônica, Cristina e Gorete (filhos do Zezé), Fernandinho, Fátima, Margarida, Márcia e Bebeto (filhos do Hudson), Adriana, Luciana e Dedé (filhos da Olga), Flávio, Ana Paula e Fernandinho (filhos da Maria, irmã da D. Elzira), Kiko e Tininha (Filhas da Lelena, também irmã da D. Elzira), Leonardo (Filho da Zilda, irmã da Elzira). De vez em quando os amigos do Julio, Heitor e Henrique. Sempre um ou dois adultos para tomar conta. Normalmente Tia Elzira e, às vezes D. Olga, às vezes D. Neuza.

Íamos para a calçada no primeiro dia de férias e retornávamos somente no último. Ajudávamos em todas as tarefas da casa e do curral. Buscávamos vacas no pasto, preparávamos a comida nos cochos, ordenhávamos, tratava dos bezerros e, por último,  íamos todos com o carro de bois levar o leite até a estrada.

A comida era simples como qualquer comida da roça. Às vezes pescávamos uns lambaris no córrego para completar o arroz com feijão. Não tínhamos luxo mas a vida era muito boa. Chupar cana na plantação era o momento de prazer. Milho verde assado direto na brasa do fogão a lenha. No café da manhã, angu doce. Como sobremesa do almoço, angu com leite e farinha torrada. Às vezes fazia broa, biscoito e pão de queijo, mas o grande esforço era evitar o roubo pela turma toda.

Cada Chuchu do pé era um boi na fazenda de brinquedo dos menores. As poças de lama após as chuvas era a adrenalina dos maiores.

Não havia eletricidade no início. Apenas um dínamo para acender as lâmpadas à noite. Dínamo acionado por um rego d’água que, quando chovia muito, e a água trazia galhos, entupia a tela e ficávamos sem luz. Mas ninguém se incomodava. Quando a chuva parava nos atolávamos no barro e íamos desentupir a grade para a luz voltar.

Os banhos eram de banheira, com água quente do fogão. Cada um esquentava sua bacia e a discussão era quem seria o primeiro.  Após os banhos, a janta e o longo bate papo à beira do fogão a lenha. Às vezes um pique esconde no escuro. Durante todo o tempo ao som da rádio Mundial, em um Motoradio manipulado por uma pedaço de madeira. Mas também éramos obrigados a rezar o terço com a tia Elzira e se ríamos, levávamos uma bronca.

Toda a bagunça durava de segunda a sexta, pois o Tio Zezé chegava sexta a noite e ia embora na segunda cedo. Tudo que fazíamos no curral, na lama, na pescaria e etc era escondido dele. Ele era muito “bravo” e nós ficávamos por conta de cortar lenha, varrer terreiro, varrer a casa e ficar dentro de casa. Nem baralho podíamos jogar. Quando ele ia embora era uma festa.

Jogávamos baralho (sete e meia), apostando ‘tento’, uma bolinha laranja e preta, pega em uma árvore no meio da mata atlântica nativa, onde pendurávamos nos cipós e nos fazíamos de tarzã. Era outro evento ir buscar tento. Mas o jogo, como sempre, dava muita briga. Tanto que chegou ao ponto do Julio enterrar todos os baralhos e tentos pra que ninguém encontrasse.

Apesar dos pequenos incidentes, nunca ocorreu nada sério. Com a graça de Deus, pois não havia carro e Ibertioga ficava a 9 km e Barbacena a 49 km.

Dos pequenos incidentes, Dedé derramou álcool em chamas, de uma injeção, nas pernas e se queimou. Flávio caiu de costas em uma cerca de arames e a Conceição pulou em um silo de 6 metros e somente anos depois descobriu que a coluna estava deslocada. Um chumbinho de espingarda resvalou de uma lata e atingiu o meu (Fernandinho) nariz, bem entre os olhos e um outro retornou de tronco na barriga da Adriana. O Julio deu uma tijolada na Fátima quando ele roubou seu cavalo para andar. Bebeto levou uma cabeçada de uma vaca amarrando a corrente sem seu pescoço. E também enfiou a cabeça no cinzeiro do fogão a lenha e ficou entalado. O resto eram pequenos cortes e escoriações.

Sabíamos o nome, o local onde comiam e filhos de todas as vacas. Dávamos folga aos empregados e ainda escovávamos as vacas que ficavam andando atrás de nós pedindo mais. Tinha a Jóia, Medalha, Cinderela, Argentina, Azeitona, Brasília e muitas outras. A Tilida era a única brava, que foi vendida depois de correr atrás do tio Zezé e força-lo a entrar em um lamaçal. Os bois Diamante e Recreio que puxavam o carro. O burro chamado Jipe. Os cachorros Jóia e Rex. Além da maritaca Gusmão, que falava muito, oferecia café e dava tchau levantando o pé e sacudindo a cabeça.

Visitávamos todos os vizinhos da fazenda. A Maura fazia um café fenomenal e era esposa do Ibraim. Na casas da Mariana e Vicente tinha pêssegos divinos. Na D. Eugênia íamos buscar ovos. Na casa da Rosa e da Maria íamos tomar café e comer broa de fubá. Tio Oswaldo nos emprestava a égua dele para andarmos.

Os empregados foram muitos, mas todos como se fossem da família. O Landico era o retireiro juntamente com o Oswaldo. Tinha o Luís que fazia de tudo. O Tio Grécio era o pedreiro que fazia os comentários mais desagradáveis. Uma vez no almoço ele comentou que encontrou um berne na carne que ia comer. Ninguém mais almoçou.

As férias na calçada nos faz carregar a certeza que tivemos uma infância muito feliz, com uma base familiar extremamente sólida e limites bem definidos.

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