Fazenda Santa Clara

Quinzinho morava com D. Vicência em Juiz de Fora e trabalhava como fiscal da Fazenda Estadual. Quando se aposentou, comprou a fazenda Santa Clara, que era de propriedade de Leopoldo Krambeck, e se mudou pra lá com D. Vicência contrariada, pois ela adorava cidade grande.
Como ficava a 54 km de Barbacena, íamos muito lá em todas as fases de nossas vidas.
A primeira fase foi em nossa infância com nossa avó ainda viva. Íamos sempre almoçar com eles e em ocasiões especiais como a festa de Santa Clara, Festa da Cruz da Moça e Festa de Santa Rita. Além de dia das mães, dia dos pais e etc. Às vezes aproveitávamos para tomar um banho na cachoeira ou ir até Ibitipoca, que naquela época podia entrar de carro e andar por todo o parque.
Uma forte lembrança que temos muito era nas festas de Santa Clara em que a D. Vicência era acordada pela banda de música de Santa Rita tocando em sua varanda e ela fazia questão de levar café com pão para cada integrante. Em uma dessas festas um rapaz roubou bebida em uma barraca e, para fugir da polícia correu para a sede da fazenda, entrou no banheiro e sentou-se na banheira. D. Vicência proibiu a entrada da polícia e não permitiu que o prendesses. Ela achou que ele estava apertado para ir ao banheiro e fechou a porta para deixá-lo a vontade. Esse era o coração de D. Vicência.
Outro evento no lugarejo eram os jogos de futebol no campo, onde o Tio Fernando ficava deitado atrás do gol dando palpites e irritando jogadores e o juiz. Uma vez ele se levantou para impedir a marcação de um escanteio. Depois de muita discussão ele disse que não foi escanteio e sim um “corner”. Ele era uma figura.
Todos em Santa Clara tinham um apelido colocado por ele. Tinha o “Cem Gramas”, “Vintém”, “Meio Quilo”, “Dez Réis”, “Sapo”, “Policote”, “Papa”, “Capuxinho” e muitos outros.
Após o falecimento de D. Vicência, Fernando se mudou para outra casa e Quinzinho ficou sozinho no casarão. Toda noite alguns empregados iam dormir lá para fazer companhia a ele. Ai começou uma nova fase da fazenda. A Dalva era a cozinheira e fazia nosso almoço.
Os amigos começaram a frequentar mais a fazenda em finais de semana e feriados. Antônio Carlos (Tonca), José Henrique, Carlos do tio Waltinho e o maior figura de todos, o Neném Cobucci, que tomava muitas cachaças e nos divertia muito. Até os cachorros da fazenda o adoravam. Tinha o Baixinho, a Minnie, a Pituca (que era a pequinesa da D. Vicência) e o perdigueiro Tarzan, além dos gatos Tião Bento, Luana e o gato amarelo da D. Vicência. Tanto os gatos como os cachorros se alimentavam de carne moída de primeira com macarronada.
Bebeto começou a levar seus colegas de banco, Mário Gordo, Felix e Dimas, além do nosso vizinho e amigo quase irmão Paulinho. Uma vez o Márcio gordo roubou a chave do carro e foi para a cachoeira. O carro deu defeito e ele fez o Felix ir a pé até Santa Clara para buscar ajuda. Felix quase morreu de tanto andar e, quando chegamos para socorrê-lo, ele estava apagado dentro do carro.
Os filhos do Hudson estavam crescendo e não passavam mais férias na calçada. Então iam sempre para a casa do Quinzinho. Eu ia pescar sempre com o tio Fernando. A Fátima começou a namorar o Flávio, que morava na fazenda dos Coqueiros. Todo final de semana ela ia com o Sr. Hudson, que ia pescar e a deixava na fazenda para namorar. Lá era a base das pescarias e caçadas dos finais de semana.
Íamos em todas as festas: Cruz da Moça, Santa Clara, Santa Rita, Festival de carros de bois e, é claro, carnaval. Uma vez fomos em uma turma enorme para o carnaval de Santa Rita e no final do evento no clube (Chega Mais), a nossa amiga Telinha já havia tomado o microfone e assumido o focal da banda que estava tocando.
A Cruz da Moça é um local ermo onde há uma capelinha. Reza a lenda que uma filha de fazendeiro rico fugiu com o empregado da fazenda e o pai dela mandou os capangas procurá-la em todo lugar. Eles a encontraram lá e a amarraram ao rabo do cavalo e galoparam até ela morrer. No local construíram essa capela. Na época que íamos não tinha energia elétrica, então as cervejas eram retiradas da prateleira e se passava um espanador antes de abrir. Bebíamos quente mesmo. O forró era o melhor. Todo com instrumentos ao vivo, a poeira não nos deixava ver nada a frente. Quando parava a dança que a poeira começava a baixar.
Quinzinho começou a participar de concursos leiteiros e exposições. Sempre estávamos em Santa Rita ou Ibertioga nessas exposições. O Minhocão era o boi reprodutor, pai da maioria das vacas, e era muito bravo. As vacas eram tratadas como rainhas. E esse era um orgulho para ele.
Como ele morava sozinho, tinha muitas manias e era muito metódico. Uma vez fomo pescar e acampar em Santana e pegamos uma chuva muito forte. Desarmamos a barraca e voltamos para Santa Clara, onde dormimos no carro até o amanhecer. Quando chegamos na casa, o boi estava solto e correu atrás de nós, entrando no quintal da casa. Quinzinho entrou com um bambu batendo nas costas do boi e xingando a todos. Pegamos o carro e voltamos correndo para Barbacena.
Havia algumas figuras caricatas nas redondezas de Santa Clara e todos eram nossos conhecidos. Tinha o Chico Artivo, pai do Papa, que parecia o Papai Noel e conversar com ele era um desafio. Ele começava a contar e estória : “Estava lá na fazenda dos Coqueiros e encontrei com o Flávio, e tal e tal e tal e tal. Aí fomos na casa tomar um café e tal e tal e tal e tal”. Só sabíamos o contexto quando éramos pacientes.
Havia o Biriba e a Maria, que tinham um filho a cada ano. O tio Luca que tinha uma “Venda” e seu filho Goulart. A Aparecida e o Dr. Paulo do Sítio das Flores, que era um lugar invejável pela beleza, O Antônio Garcia, o Batista, o major, que comprou a fazenda do Sr. Guilherme, A Tarcila e o Sr. Odair, da fazenda da Gabiroba, o Juca Lobato, o Meio quilo com seus filhos. O Daciano da Fazenda da Chácara.
Íamos sempre na fazendo do Helio Krambeck comer umas frutas e, de troco, trazíamos alguns bichos de pé. Passeio na estrada da chácara até a fazendo do Newton Krambeck era ótimo, pois a estrada é plana e cercada de árvores. Também íamos visitar o Fernando da Chácara, que comprou do Major a fazenda que foi do Guilherme Wamser.
Com o nascimento dos netos, começa-se a terceira fase de Santa Clara. Hudson, Neuza, os filhos, genros, nora e netos começam a frequentar quando possível. Fomos muitas vezes, principalmente antes do nascimento da Maria Fernanda.
As filhas que moravam em Barbacena iam todas as férias com as crianças. O problema era o Felipe, filho da Márcia, que em várias férias teve alguma fratura nos primeiros dias, atrapalhando as férias da família. Foi uma clavícula quebrada, pé machucado, dedo cortado e algumas outras mais. Chegou ao ponto de o Leo, enfermeiro do hospital de Ibertioga, uma vez sugerir ao Flávio que não o levasse mais para as férias. Todo ano era um problema.
A história que lembro foi uma vez que o Fafá (Flavinho) decidiu ir até os coqueiros a cavalo. No caminho havia uma porteira e ele desceu do cavalo para abrir. Como não segurou as rédeas, o cavalo deu meia volta e retornou para Santa Clara correndo. Ele voltou a pé muito bravo.
Nos carnavais íamos para a cachoeira, passeávamos em Santa Rita, fazíamos guerra de espuma e muitas vezes levávamos alguns amigos. Uma das vezes as crianças estavam brincando quietinhas e as meninas fazendo bolo de lama. Um tio espírito de porco foi ajudá-las e começou uma guerra de lama com todos eles. Sr. Hudson ficou uma fera, pois sujou o fusca tão cuidado. Foi muito divertido. No final estávamos todos sujos dos pés à cabeça, tomando banho de mangueira no quintal. Foi inesquecível.
Uma outra vez havia chovido e o barranco perto da casa estava molhado. Começamos uma brincadeira de escorregar na lama. No final, banho de mangueira de novo. E desta vez o Pedro, filho do Paulinho, entrou na brincadeira.
Nas férias os dias começavam bem cedo para a criançada, que acordavam bem cedo para andar de carro de bois e tirar leite das vacas direto no copo com toddy. À noite era momento de descansar, brincar dentro de casa e jogar baralho, detetive, assassino etc. Também brincavam de Big Brother Brasil, mas como os meninos eram maioria, as meninas eram as primeiras a ser eliminadas. Tudo combinado. E como eram 7 em um quarto, foram várias camas quebradas.
Ao entardecer se começava a preparar aquele jantar de roça delicioso e, quando queriam variar, iam comer hamburger em Santa Rita. O pessoal do trailer ficava louco, pois nunca haviam preparado 15 sanduiches ao mesmo tempo.
O Fernando Fonseca, apelidado de Garnizé, era muito brincalhão. Ele disse aos meninos (Fafá, Matheus e Cizinho) que o fantasma do Quinzinho aparecia só de cueca andando pela casa. Os meninos ficaram morrendo de medo. Uma noite, quando estavam assistindo TV, eles não sabiam que a Margarida estava deitada no antigo quarto do Quinzinho. Quando ela saiu do quarto e entrou na sala, a criançada saiu correndo gritando, quase enfartando, assustados com medo do fantasma.